O povoado, conhecido como a capital argentina do trekking, está literalmente aos pés das Cordilheiras dos Andes. É uma cidade bem pequena, totalmente direcionada ao turismo de aventura. Ao chegar, a sensação é de estar na Vila dos Hobbits de JRR Tolkien: montanhas de bosque e pedra, montanhas de neve ao fundo, casinhas lindas. Não existe a possibilidade de estar em um quarto sem uma vista maravilhosa.
Para chegar, é necessário ir em ônibus ou carro. Tomei um ônibus na estação de El Calafate (2.500 pesos, novembro/2021, empresa Chaltén Travel). Sāo 3 horas de viagem, com partidas às 8h, 13h ou 19h. Para o retorno, pode-se optar por descer diretamente no aeroporto (2h30min, mesmo valor). Fiquei hospedada no Las Agachonas Apart. Ótimo apartamento, serviço impecável.
Um detalhe importante sobre a cidade: nāo há internet. Os celulares funcionam, mas sem dados. Os hotéis, cafés e restaurantes disponibilizam wi-fi, mas a rede não é tão estável.
Trilhas de El Chaltén
(e o esforço físico que podem demandar)
São cerca de 14 trilhas autoguiadas de diferentes níveis de dificuldade, desde as mais fáceis até as de um dia ou mais. As mais longas possuem zonas de camping em pontos intermediários. Não é necessário reservar guias ou traslados, já que a grande maioria começa na própria cidade. Basta conseguir um mapa e sair andando. Neste link estão as principais trilhas. Também há opções de excursões (Kayak, Rafting, Mountain Bike, pesca, caminhadas em glaciares) e pessoas que praticam o alpinismo e outros esportes de aventura.
Por outro lado, se o turismo de aventura realmente não é a sua praia, existe um bate-volta desde El Calafate. Inclui guia, almoço, paradas nos miradores La Leona e Glaciar Viedma (com vista para as montanhas Fitz Roy e Torre), passeio pela cidade, visita à cachoeira Chorillo del Salto e possibilidade de fazer as trilhas aos miradores de Los Cóndores e Las Águilas. Abaixo mostro fotos de Chorillo del Salto e do Mirador de Los Cóndores e Las Águilas, trilhas que fiz caminhando. No caso de Chorillo del Salto, o ônibus para a 500 metros da cachoeira, e o caminho é 100% plano, sem nenhuma dificuldade. Já os miradores Los Cóndores e Las Águilas estão a 1 e 2km, em subida. Considera-se como dificuldade baixa, mas é um pouco complicado para quem tem mobilidade reduzida.
Ao decidir quais trilhas fazer, é fundamental ter consciência sobre os próprios limites e ser responsável. Os principais trajetos são relativamente fáceis, a dificuldade está na distância. Nāo há outros meios de chegar aos pontos de interesse se não for caminhando. Se você chegar até um ponto da trilha, precisa ser capaz de voltar. Cuide da alimentação, leve lanches, ande com bolsas para trazer o lixo de volta e se possível vá em grupo, ou no mínimo em dupla. Os mapas indicam os níveis de dificuldade, e os habitantes da cidade podem ajudar com qualquer dúvida. O bastão de trekking é importantíssimo, principalmente para a trilha do Fitz Roy. Um por pessoa é o suficiente. Pegamos emprestado com a dona do hotel, mas existem lojas na cidade que alugam o equipamento.
Dito isso, vamos às trilhas que fiz: Mirador Torre + Mirador de las Águilas (dia 1), Chorillo del Salto (dia 2), Laguna de los Tres/ Fitz Roy (dia 3).
Dia 1: Mirador Torre + Mirador de las Águilas
O Mirador del Torre (3h e 7km no total) é um ponto intermediário da trilha que chega até a Laguna Torre (8h e 19km no total, vista ao Cerro Torre). Escolhemos fazer esse no primeiro dia para “testar” essa história de fazer trekking. Somos ativos, mas demasiado urbanos. Foi nossa primeira vez fazendo algo classificado como turismo de aventura.
Apesar de algumas subidas e descidas, a trilha foi bem tranquila. Tanto que ao voltar decidimos ir também ao Mirador de las Águilas. Esse é um dos caminhos mais fáceis: 4km no total, com uma vista maravilhosa da estepe patagônica e do Lago Viedma.
Entre as duas trilhas e o que andamos na cidade, terminamos o dia com 20km na conta do Google Fit. A prova de que poderíamos ir à Laguna de los Tres e ver o Fitz Roy de pertinho.
Dia 2: Chorrillo del Salto
Chorillo del Salto é uma cachoeira a 3km da cidade. A trilha é praticamente plana (se andando parte pela estrada), apenas com alguns desníveis (se andando todo o tempo pelo caminho de pedestres). Para quem vai de carro ou na excursão de um dia El Calafate-El Chaltén, há um estacionamento a 500m do local.
Nosso objetivo era descansar, para no dia seguinte ir ao Fitz Roy. Como pessoas mais ou menos planejadas que somos, havíamos comprado duas latas de vinho em El Calafate (vinoteca Uco Wine Shop), pensando justamente em fazer um picnic gourmet nessa cachoeira. #harmonizaçāo360 100% recomendada pelo Cata Libre: sanduba de frango grelhado com vegetais e azeite de oliva, Malbec argentino em lata da Mosquita Muerta Wines e solzinho primaveral na cachoeira com seu amorzinho.
Dia 3: Laguna de los tres e Cerro Fitz Roy
Levantem-se, estiquem as pernas, passem um café… porque a próxima série de fotos será enorme (e impressionante).
Essa é a trilha mais buscada pelas pessoas que visitam El Chaltén. O tempo médio entre ida e volta é de 8 ou 9 horas, e a distância total 25km. A Laguna de los tres fica aos pés do Fitz Roy, a montanha mais alta da região. Para avançar além da lagoa, a pessoa já precisa andar sobre a neve que se acumula na base. E para seguir subindo, apenas alpinistas.
O primeiro quilômetro da trilha é em subida, mas nada muito complicado. O caminho está humanizado e passa por dentro do bosque, o que torna o passeio muito agradável. Superado esse início, a trilha segue praticamente plana por 8km. No quilômetro 4 está a Laguna Capri. Um lugar lindo, com uma vista privilegiada do Fitz Roy. Se tiver poucos dias ou quiser economizar pernas, e em termos de trilhas de dificuldade média, a Laguna Capri vale muito mais a pena que o Mirador del Torre. É um lugar para passar várias horas, fazer um picnic e aproveitar o ambiente.
A partir desse ponto, avançamos para o Camping Poincenot. Nessa parte do trajeto podemos ver também o Glaciar Piedras Blancas, à direita do Fitz Roy. Algumas pessoas optam por passar a noite no camping antes de avançar. Um amigo disse que, durante a noite, é possível ver as lanternas dos alpinistas que dormem literalmente pendurados nas paredes da montanha. Um pouco mais de caminhada e chegamos no quilômetro 9. Até aqui, tudo nas mil maravilhas.
O trajeto final (de supostamente 1 km) é todo em subida. Muito íngreme e pedregoso. É preciso ter cuidado, pois as pedras são grandes, e a base do solo é de pedras pequenas e pouco estáveis. Tanto para subir como para descer, o bastão de trekking ajuda muito. Entre o cansaço e a altura, bate o pânico, ou pelo menos a sensação de que nāo vamos chegar. Mas todo mundo chega, e todo mundo volta.
Eu nāo costumo pesquisar muito antes de ir aos lugares. Leio algumas coisas superficialmente, resolvo o que fazer só depois de chegar ao destino. Vejo a informaçāo básica e deixo a vida fazer a parte dela. Vou documentando, buscando o que me intriga durante a viagem, e depois pesquiso para cobrir falhas. Fui a El Chaltén sabendo que faria algumas caminhadas. Chegando lá, decidi ir ao Fitz Roy. Vi algumas fotos, e fiquei torcendo para ver neve na base da montanha. Em nenhuma hipótese eu imaginei que encontraria o lago COMPLETAMENTE CONGELADO. Foi uma das coisas mais emocionantes que vi na vida.
Agora vamos descer e voltar para casa, né?
Percebeu que faltam 5km na conta? Eu também. As placas indicam os quilômetros até o 9, onde começa a subida. Os mapas dizem o mesmo. Mas o site de El Chaltén diz que são 25km, e o Google Fit marcou o mesmo. Nāo consegui resolver o mistério dos 5km faltantes. Talvez seja um caso de placas otimistas, talvez a subida seja mais longa do que se diz, talvez os dois. De qualquer modo, realmente fiz a trilha completa em 9h (paramos o mínimo possível, levamos lanches pequenos para comer andando, pouca quantidade, várias vezes).
Para concluir, deixo aqui um link para o relato da Primeira Ascensão ao Fitz Roy, em 1952. Uma acordo de colaboraçāo entre o governo argentino (na época, presidido por Perón) e o governo francês. O governo argentino se responsabilizou pela logística horizontal, e os franceses pelo ascenso. O acampamento Poincenot leva o nome de um dos integrantes da expediçāo. As fotos e mapas sāo maravilhosos.
Restaurantes destacados
Se comparo com El Calafate, acredito que ambas as cidades possuem a mesma quantidade de restaurantes. Mas, pessoalmente, me identifiquei mais com a oferta de El Chaltén. Os restaurantes mais tradicionais e antigos compartilham espaço com negócios atuais, empreendimentos de jovens que se mudam para a cidade para incluir o trekking e o montanhismo em seu dia a dia. Inclusive, esse é o movimento que define a cidade: turistas indo por primeira vez, “nômades de aventura” que sempre aparecem na temporada alta (preenchem a demanda de trabalhos de meio turno, enquanto aproveitam para fazer as trilhas e praticar outros esportes) e pessoas de outras cidades e países, que se mudam para El Chaltén por causa do trekking e terminam empreendendo.
As cervejarias dominam a cena, com várias espalhadas pela cidade. Além disso, há cafés, restaurantes vegetarianos, parrillas, restaurantes de massas, de carnes, contemporâneos.
Compartilho os que mais gostei:
Primo’s Coffee Bar
O que todo millennial busca quando chega em uma nova cidade? Sim, acertou quem disse café.
Primo’s é um café de especialidade, localizado na rua principal. Um carrinho com café de ótima qualidade e extraçāo perfeita, para acompanhar com croissants e alfajores, ou simplesmente desfrutar enquanto aproveita a vista. As mesas ficam em um gramado aberto, perfeito para tomar um café ao sol, antes ou depois de voltar de uma trilha.
Deem uma olhada no instagram deles, as fotos no inverno sāo apaixonantes.
Paisa High Mountain Coffee
Ainda na linha café, está o Paisa High Mountain Coffee. Os donos sāo colombianos, e o menu inclui café do país e arepas diversas, além de doces, bruschettas e prato do dia.
A estrutura é work friendly, e o wi-fi funciona super bem. Além de ser lindo e com ótimo café e comida, é perfeito para emergências de trabalho, e para aquelas famosas horas entre o checkout do hotel e a partida do ônibus.
Cúrcuma Cocina Vegana
Um desses lugares onde comer é receber um abraço. Um restaurante afetivo, com ótimo serviço e um menu que dá vontade de voltar no dia seguinte para seguir experimentando os pratos. Amo encontrar restaurantes vegetarianos e veganos com oferta variada, e o Cúrcuma Cozinha Vegana me deixou de barriguinha feliz.
El Muro Restó
A estrela da viagem. Foi o que mais gostei, contanto com os de El Calafate. Talvez porque tinha peixe fresco (amo peixe, e desde que vim para a Argentina como pouco), talvez porque arquitetonicamente achei um encanto. De qualquer maneira, a comida estava deliciosa.
Ufa! Chegamos ao final da viagem. Foi uma experiência maravilhosa, que me permitiu conhecer uma regiāo da Argentina que, apesar de única, ainda é pouco visitada.
El Calafate é esse tipo de viagem que devemos fazer pelo menos uma vez na vida, se temos a oportunidade. O Glaciar Perito Moreno é inimaginável: praticamente a única geleira de fácil acesso do mundo, em constante evolução, e que constitui uma das principais reservas de água doce do planeta. Já El Chaltén merece a visita, nem que seja apenas o bate-volta de um dia. Para quem gosta de natureza, as trilhas valem muito a pena. O trekking também foi uma nova descoberta, certamente farei outras viagens com esse objetivo.
Até a próxima viagem!
Se chegaram primeiro a este artigo, não deixem de ler a primeira parte da viagem, a El Calafate e o Glaciar Perito Moreno. Também podem visitar o nosso Blog sobre Vinhos, ou seguir explorando a sessāo Roteiros de Viagem.
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