Muitos enófilos se aventuram pelo mundo das catas técnicas, e o motivo é simples: esse processo nos permite observar o produto: sua origem, características da variedade, processos de produção, amadurecimento e envelhecimento, os aspectos pelos quais se destaca, estilo, e muito mais.
Ao conhecer todas essas informações, podemos entender quais são os nossos gostos e preferências, tornando-nos consumidores mais preparados para escolher, comprar e harmonizar vinhos em nosso dia a dia.
Veja a seguir como funciona esse processo!
Qual a diferença entre degustar e catar um vinho?
Catar é uma expressão muito usada no espanhol, e se refere à degustação profissional de vinhos. Em português, costuma-se usar os termos degustação X degustação profissional, mas também é comum encontrar referências à cata de vinhos.
Segundo Jean Ribéreau Gayon, um dos referentes da enologia moderna,
catar é provar cuidadosamente um produto cuja qualidade queremos apreciar. Submetê-lo aos nossos sentidos, particularmente ao paladar e ao olfato. É tentar conhecê-lo, procurando por seus defeitos e qualidades, a fim de expressá-los. É estudar, analisar, descrever, definir, julgar e classificar.
O fato é que, na prática, degustar não é o mesmo que catar
Quando degustamos, apreciamos o vinho de uma forma subjetiva e relaxada, sem muita concentração ou análise. Porém, quando catamos ou degustamos profissionalmente, analisamos e estudamos o vinho com especial atenção, com o objetivo de descrevê-lo e tirar conclusões.
O principal benefício de catar vinhos mesmo não sendo um profissional da área é poder entendê-los. Identificar quais são os aspectos que mais nos agradam e quais não, qual o estilo de vinho que gostamos e em que situações preferimos tomá-lo.
Quem nunca comprou uma garrafa e quando foi abrir não gostou? Ao se aventurar na cata profissional mesmo como consumidores, podemos evitar essas situações, e saber dizer exatamente qual tipo de vinho gostamos e porquê, comprando e harmonizando vinhos com mais informação a nosso favor.
Como degustar um vinho: os 4 passos da cata profissional
1. Análise visual
Essa é a primeira fase da degustação. Antes de levar a taça ao nariz ou à boca, buscamos entender o que a bebida nos diz a partir de seu aspecto visual.
Para isso, devemos estar em um ambiente bem iluminado e possuir um fundo branco sobre o qual inclinar a taça. Também podemos utilizar uma luz focalizada, como uma luminária ou a lanterna do celular.
O primeiro ponto a observar é a limpidez e o brilho.
Em geral, a maioria dos vinhos comerciais são límpidos e brilhantes. Nesse caso, a presença de turbidez, opacidade ou sedimentos poderia significar que a bebida possui algum defeito. Como exceções, estão os vinhos não filtrados (cada vez mais comuns, principalmente entre os vinhos orgânicos e biodinâmicos) e os que passaram vários anos em garrafa.
Depois, passamos a observar as cores.
Vinhos tintos costumam variar dentro de um espectro que vai do violeta/púrpura ao rubi, e logo tons mais claros e marrons. Já os vinhos brancos variam do amarelo pálido e amarelo verdoso ao âmbar.
As diferentes cores e tons se relacionam com dois principais fatores: tipo de uva e idade do vinho. Cada variedade tende a apresentar certos tons (por sua genética, como o Malbec que costuma apresentar tons mais violetas). Porém, com o passar os anos e sob o efeito da micro oxigenação, essas cores sofrem alterações: os vinhos tintos se tornam mais “claros”, enquanto que os brancos e rosados se tornam mais “escuros”.
Com essa informação, podemos criar hipóteses sobre a variedade e idade de um vinho em uma cata a cegas, ou identificar possíveis alterações (um Malbec jovem que apresenta tons rubis ou mais amarronzados pode ter passado por mais contato com oxigênio do que deveria, ou ter sido mal armazenado, etc.).
Agora, a intensidade de cor
Para observá-la em vinhos brancos e rosados, devemos olhar o centro da taça.
Em vinhos tintos, devemos passar o dedo por detrás da taça, e observar se é possível vê-lo por completo, se está borrado, se vemos apenas sua sombra ou se diretamente não o vemos.
A intensidade pode dar dicas da variedade de uva, do método de elaboração e da evolução do vinho. Em geral, podemos classificar a intensidade em baixa, média, média + e alta.
Por fim, está a viscosidade ou lágrimas do vinho
Ao retornar a taça à posição normal, observamos algumas gotas no vidro. Essas gotas são conhecidas como lágrimas, e podem ser grossas ou finas, ter uma caída lenta ou rápida.
Esse fenômeno se relaciona com o nível de álcool: quanto mais grossas e lentas, mais alcoólico será o vinho. No entanto, o tipo de taça, a maneira como foi limpa e a possível existência de defeitos no material ou produtos químicos pode alterar bastante essa percepção.
2. Análise olfativa
Essa é uma fase que sempre causa controvérsia e insegurança entre enófilos. É uma etapa super importante para a degustação e análise de um vinho, mas extremamente subjetiva e com infinitas possibilidades.
Estamos acostumados à imagem da pessoa que é capaz de identificar com facilidade vários aromas (geleia de frutas vermelhas, morango, ameixa, pimenta, orégano, pasto da fazenda da vovó, tabaco, mel, e por aí vai), e muitos rótulos de vinhos também seguem esse caminho.
Em um primeiro momento, isso pode causar frustação em muitos consumidores e enófilos iniciantes. Mas, na prática, identificar aromas em um maior nível de detalhe é questão de treinamento (trabalhar a memória, catar muitos vinhos) e tempo. Todos os enófilos, assim como os profissionais da área, partem de um mesmo ponto, e ampliam sua memória olfativa com estudo, prática e experiência. Comentei sobre esse ponto em outro artigo: Descomplicando os aromas do vinho.
Independente da possibilidade de identificar aromas específicos ou não, a análise olfativa pode ser muito mais simples e acessível, e qualquer pessoa pode identificar os aspectos mais relevantes. Para isso, é importante estar em um ambiente neutro e não utilizar perfumes ou outros elementos que possam interferir no processo. Logo, seguimos dois passos:
Primeiro nariz: qualidade aromática
Sem girar a taça, vamos aproximá-la ao nosso nariz. O primeiro ponto a observar é a saúde da bebida: se o aroma está limpo e agradável, sem cheiros estranhos como esmalte, vinagre, papelão ou ovo. Também podemos identificar o grau de intensidade aromática do vinho: leve, média ou alta.
Segundo nariz: grau de complexidade, famílias aromáticas
Logo, podemos girar a taça suavemente, para oxigená-lo e liberar os compostos aromáticos. Concentre-se em identificar as famílias aromáticas:
- Aromas primários: notas florais, herbáceas ou frutais, derivadas do tipo de uva e do terroir;
- Aromas secundários: notas láticas (manteiga, iogurte) ou fermentadas (levedura, massa de pão), derivadas dos processos fermentativos;
- Aromas terciários ou bouquet: notas de especiarias, madeira, frutos secos, couro, mel, baunilha etc., derivados dos processos de amadurecimento em barris de carvalho ou envelhecimento em garrafas.
O mais importante aqui é identificar as famílias aromáticas, e com isso determinar o grau de complexidade.
Se o vinho se destaca por seus aromas primários, será classificado como um vinho simples. Por outro lado, se seu caráter se compõe por aromas das três famílias, será um vinho com maior grau de complexidade.
Vinhos jovens com nenhum ou rápido contato com madeira costumam ser vinhos simples, enquanto vinhos com passagem por barris de carvalho (reserva, gran reserva) costumam ser vinhos de maior complexidade. Essa classificação não se refere, de nenhuma maneira, à qualidade do vinho. É apenas uma referência para entender quais aromas estão presentes, como foi o processo de elaboração e quais são as características principais.
Uma vez identificadas as famílias, podemos brincar de encontrar aromas específicos, e assim treinar nossa memória olfativa e capacidade de dar nome às sensações aromáticas.
3. Análise gustativa
Pronto, agora finalmente vamos levar o vinho à boca. Nessa fase, vamos comprovar se os aspectos observados nas duas fases anteriores se confirmam, além de observar questões relacionadas com equilíbrio, acidez, estrutura, álcool e qualidade geral.
Vamos tomar pequenos goles, garantindo que o vinho passe por toda a boca e observando as sensações. Podemos analisar aspectos como:
- Entrada de boca/equilíbrio: seco ou suave (amável, doce);
- Nível de acidez: correta, média, alta (uma acidez muito baixa pode ser considerada como um defeito);
- Corpo: leve, médio, estruturado;
- Taninos: agressivos, firmes, amáveis (redondos);
- Álcool: integrado, elevado;
- Aromas e sabores em boca (confirmam a fase olfativa, ou existem novos aromas?);
- Final de boca/persistência: curta, média, longa.
Muitos vinhos buscam um equilíbrio geral entre todos esses aspectos, que é o que gera aquela sensação de “fácil de tomar”. No entanto, existem propostas que destacam certos atributos, como os vinhos de acidez elevada. No fim das contas, cada garrafa é um novo mundo, e a degustação técnica ajuda a compreender suas particularidades.
4. Conclusão
Por fim, podemos dar a nossa avaliação final sobre o vinho. Estava equilibrado, ou algum aspecto se destacava? Qual eram suas características principais?
Aqui, o importante é identificar quais são as características que mais gostamos em um vinho, e assim entender qual é o nosso estilo preferido e poder buscar opções semelhantes no futuro. Se desejar, você pode armazenar essa informação em um bloco de notas ou aplicativo.
O que achou do passo a passo de como degustar um vinho? Irá experimentar algumas catas profissionais, ou prefere apenas seguir degustando, sem muita análise? Conta para a gente!
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