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Descomplicando os aromas do vinho
Descomplicando os aromas do vinho

Descomplicando os aromas do vinho

Identificar os aromas do vinho é algo que sempre gera ansiedade, medo, insegurança e/ou descrença. Afinal, todo mundo conhece aquela pessoa que, ao sentar-se na mesa do restaurante, começa a girar a taça sem parar, cheira o vinho mil vezes, e no final tenta explicar para todo mundo sobre como ela está sentindo um aroma de morango-maduro-meio-passado-com-um-toque-de-iogurte-e-notas-de-baunilha-com-tabaco. Diante disso, e ao sentir no máximo algum aroma de frutas vermelhas, o mais provável é que terminemos deixando o vinho de lado e levando a atenção para a tábua de queijos e frios.

Longe de dizer que a pessoa que sentiu toda essa avalanche de aromas e sabores está errada, o mais provável é que ela esteja estudando e tomando vinho há muito tempo (ou tenha o nariz mais talentoso e o cérebro mais potente do mundo). Sentir – e nomear – aromas específicos depende de conhecimento (conhecer as principais notas que pode ter um vinho), experiência (degustar muitos vinhos em seu dia a dia) e memória sensorial (conhecer o aroma de uma flor de laranjeira, e ser capaz de lembrar desse aroma e nomeá-lo).

Para pessoas que não cresceram ou viveram em regiões produtoras/tomadoras de vinho, a situação é ainda mais complicada.

Eu, por exemplo, sou de Salvador. Cresci comendo pitanga e seriguela, não framboesa. Fruta branca esverdeada e cítrica para mim é umbu, não maçã verde. Só comecei a identificar melhor essas coisas quando vim para a Argentina, onde com alguns pesos você já pode tomar um bom vinho, e framboesa é algo relativamente comum e pagável, o que aumentou muito minhas possibilidade$. Antes disso, a frequência com a qual eu tomava vinho só me permitia chegar até o gosto/não gosto.

Sempre me perguntei por que os aromas do vinho eram tão “europeus” (principalmente os frutais, florais e vegetais). Parte das minhas suposições sobre isso envolviam fatores culturais básicos: quem sempre teve o vinho como parte da própria cultura, e depois de um tempo começou a defini-lo e estudá-lo? Europeus. Depois, europeus que foram ao novo mundo, além de enófilos, enólogos e sommeliers de diferentes países que aprenderam com… europeus.

Mas daí me lembraram que existem moléculas nos vinhos

Quem nunca esqueceu das aulas de biologia e química que atire a primeira pedra.

Quando cheguei na Argentina e comecei a fazer cursos sobre vinho, já nas primeiras aulas descobri que esse não era o único motivo. Os aromas primários (Frutal, vegetal, floral, mineral, algumas especiarias) provêm da variedade da uva e do Terroir, que é o nome que se dá às condições nas quais cresceu a uva (composição do solo, clima etc.). Todos esses elementos (e também os aromas secundários e terciários), são, obviamente, compostos por moléculas. No caso dos aromas dos vinhos, estes estão formados por cerca de trinta compostos voláteis derivados da fermentação alcoólica (como álcoois, ácidos, ésteres etc.), que se desprendem do líquido. Um vinho pode ter aroma a pimentão por conter uma molécula chamada pirazina, enquanto outro pode lembrar maçã verde por conter ácido málico.

No fim das contas, o que estamos fazendo é associar o aroma de alguma molécula a algo que já conhecemos.

Portanto, quando dizemos que o vinho tem aroma de maçã verde é porque as moléculas voláteis que se desprendem do líquido são as mesmas, ou muito semelhantes, àquelas que se desprendem das maçãs verdes. Nesse caso, o ácido málico é o responsável pelo aroma de maçã verde das maçãs verdes e de nosso vinho hipotético. Como nenhum de nós tem conhecimento inato de química para identificar essas moléculas odorantes, empregamos a analogia.

Fonte: https://www.artwine.com.br/edicoes/wine-style-27-como-entender-os-aromas-do-vinho.pdf

Então, além do fator cultural, também há a própria composição molecular desse vinho, que vai depender do tipo de uva e do terroir, além dos processos de fermentação (aromas secundários) e envelhecimento/amadurecimento (aromas terciários). Assim, na próxima vez que você não sentir nada (ou não conseguir dar um nome ao que está sentindo), lembre-se: você apenas nunca cheirou essa molécula, ou se cheirou não lembra.

E como faço para analisar os aromas do vinho se não consigo identificar esses cheiros?

Opa que é agora que vem o pulo do gato!

Um pouco confundidas com a grande quantidade de aromas que @s senhor@s dos narizes super potentes identificaram nos vinhos, essas pessoas que se dedicam a analisar vinhos criaram uma Roda de Aromas do Vinho. Existem várias rodas de aromas, mas em todas você vai poder encontrar informações relativamente parecidas. Aqui, vamos trazer uma roda com 88 aromas.

Calma, não precisa gravar todos eles.

No caso desse exemplo, existem 3 círculos:

– O mais interno, que seriam os principais grupos de aromas, desde uma perspectiva macro;

– O intermediário, que seriam grupos intermediários de aromas;

– E o mais externo, que seriam os 88 aromas.

Para começar, você pode se enfocar nos grupos que estão mais próximos ao centro do círculo. Por exemplo: estou tomando um Malbec e identifico frutas vermelhas, além de algo que me lembra madeira.

Com o tempo, os sentidos vão se aguçar mais, e você poderá começar a identificar aromas específicos: “opa, esse vinho que esqueci 10 anos no armário está com cheiro de suor de cavalo (hahaha), vou jogar fora”.

 

aromaster wheel 88 with faults
Fonte: https://aromaster.com/pt-pt/product/roda-de-aromas-do-vihno/

E, para aguçar os sentidos ainda mais….

Você pode virar o maluco da lojinha de verdura e da floricultura

A melhor maneira para conseguir identificar esses aromas e nomeá-los é treinar. Escolher alguns aromas para trabalhar por mês ou por semana, e sair cheirando tudo o que encontrar pelo caminho. Cheirar flor na rua, fruta no mercado, especiarias na gaveta de tempero, chocolate, nozes, madeira. O cavalo suado não precisa cheirar não, ok? Esse aí a gente passa.

Outras estratégias que podem ajudar:
  • Usar os frascos de aromas. É possível comprá-los ou fazê-los. São frascos com aromas super concentrados, para ajudar a identifica-los melhor.
  • Participar de cursos e degustações (catas) de vinhos. Por um lado, porque a orientação de um sommelier pode ajudar. Por outro, a interação com um grupo pode te ajudar a nomear aromas que você identificou, mas não associou.
  • Participar de catas a cegas, o que permite degustar alguns vinhos sem conhecer o rótulo, para tentar descobrir as características e identificar o vinho apenas com os seus sentidos.
  • Participar de confrarias e grupos de cata com amigos, organizar jogos para identificar aromas e de cata a cegas.
  • Sempre que for tomar um vinho, parar alguns segundos para analisá-lo. Não precisa fazer como nosso amigo do início do texto, pode ser de maneira mais discreta.
  • E, claro, tomar vinho (máximo de uma taça por dia, heim pessoal?).

Em algumas aulas de iniciação ao vinho, os professores comentam que, na maioria das vezes, a pessoa que está catando identifica três notas: um aroma marcante na entrada do nariz, um segundo aroma no centro da taça e, após girar o líquido, um terceiro aroma. A partir disso, pessoas com olfatos mais apurados poderão sentir mais notas. Então, para quem está começando, buscar esses três primeiros aromas é um bom começo.

Mas, espera, são só esses 88 aromas?

Na verdade, não.

As rodas de aromas ajudam a ter uma perspectiva geral dos aromas mais comuns nos vinhos, mas não incluem todos os aromas possíveis. Primeiro porque, como comentamos, não deixa de ser uma experiência pessoal. Eu já cheguei a dizer que estava sentindo pitanga, porque para mim era o nome do que eu estava sentindo. Fiz um curso com uma moça que sempre sentia o pasto da fazenda do avô.

Por outro lado, todas as uvas possuem aromas característicos. O Malbec argentino, por exemplo, costuma apresentar aromas a cereja, ameixa, morango, violeta, baunilha, café, uva passa, tabaco, pimenta etc., a depender de sua idade, de como foi seu envelhecimento/amadurecimento e de seu terroir.

E também existem as uvas cujos aromas característicos não estão nessas Rodas de Aromas. O Torrontés Argentino costuma apresentar, por exemplo, arruda. O Cabernet Sauvignon, orégano.

Sentir todos os aromas do vinho é realmente um desafio. Por sorte, ninguém está obrigado a fazê-lo (a não ser os profissionais da área, claro), e é perfeitamente possível desfrutar de um vinho sem identificar todas suas notas. Porém, para quem aprecia a bebida, aguçar os sentidos muda completamente a experiência, e ajuda a tomar melhores decisões na hora de escolher vinhos ou harmonizá-los com comidas.

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Micaela Redondo